Mocajuba dos Cachos e do Empoderamento feminino.

         Em determinados momentos somos desafiados a explorar mais afundo universos paralelos à vida cotidiana de nossa cidade. O complexo e singelo universo das pessoas que habitam em Mocajuba nos desperta a curiosidade de investigar suas trajetórias e quais sua parcela na construção do espaço no qual  vivemos. Mocajuba é a cidade das mulheres belas de corpo e de alma, de peles claras, escuras até vermelhas. Cabelos com texturas próprias, de raízes distintas.
         Em uma manhã de sábado, de Sol ofuscado, céu nublado e ventos suaves, fomos agraciados pelas suas companhias. Estavam todas muito bem vestidas, temos a autonomia para escolherem suas próprias roupas, também como forma de mostrar suas identidades, cada uma no seu conceito e representatividade, perfumadas, maquiadas e dispostas a encarar o desafio de abrir uma parte de suas intimidades a nós.
       Via-se durante a seção de fotos a descontração e leveza, feminilidade, e ao mesmo tempo o exotismo das belezas de mulheres com histórias e conhecimentos diversos. Seus cabelos apenas reafirmam a força de suas personalidades empoderadas e livres. E como aqueles cabelos exalavam um aroma agradável. Embriagávamo-nos nas doces falas e risadas, nas doces conversas. Capturar suas essências não foi uma tarefa tão fácil as nossas lentes, apesar dos olhares expressivos, sensuais, gentis e dominadores.
         Por vezes, mediante os muitos diálogos, éramos surpreendidas por suas determinações, algumas de suas falas nos deixavam de queixo caído, e não podemos deixar de relatar o espanto ao ouvirmos relatos de preconceitos cruéis. E apesar do fato de nós, na condição de “pesquisadoras” termos que estar neutras, não poderíamos deixar de demonstrar nossa indignação, como mulheres o apoio, e como seres humanos a compaixão.
       Naquele dia conhecemos mais  a nós mesmas, do que somos capazes, e do quanto  é fundamental a comunhão do eu interior e  externo, porque a final, refletimos visualmente um pedaço do que somos por dentro, e quando há sintonia, nos tornamos força e expressão. Somos lidos e interpretados, e naquele espaço de tempo, em um lugar pouco familiar a algumas delas constituímos relações de afeto e solidariedade.


“Minha mudança pro Black Power desencadeou uma série de outras mudanças não só visuais mas íntimas“ Brenda F.

A partir da transformação exterior, da aparência e em especial do cabelo veio o primeiro choque do encontro da personalidade com o estético, seus olhos não a reconheciam, conheceram-se pela primeira vez, o espelho refletiu apenas o eu adormecido, sentiu-se mais bonita, mais a vontade consigo mesma. “Acredito que a gente vai se descobrindo e por isso acontecem mudanças, e acredito que ainda ocorrerão muitas outras”. Brenda M. A auto aceitação veio a partir do momento em que teve contato com outras mulheres do seu convívio e da mídia, onde buscou novas informações e ajuda no processo de definição da nova identidade: 

“Nunca tive o cabelo alisado por isso não vivi o big shop, entretanto eu achava horrível meu cabelo, era lambido, mas conheci uma professora cacheada e muito segura de si. Despertou a minha curiosidade”. Patrícia P


“Quando assumi meu cabelo cacheado extravagante, assim mencionado pelas pessoas, isso me deu forças pra somente me importar com a opinião de quem realmente preciso e me libertar de estereótipos“. Eduarda B. Não só os cachos mais a naturalidade dos fios livres e saudáveis trouxeram a harmonização da mulher com sua feminilidade aflorada. Poder e liberdade passaram a serem os responsáveis por uma nova identidade empoderada nas questões sociais, pregando autoestima como algo essencial. Um novo posicionando limitava, ou melhor, filtrava a relevância das coisas que se escuta e do que se diz. A partir de então todos propusemo-nos a nos questionar se é a mudança estética que afeta o interior ou a transformação interna que se projeta no estético. Muito se pensou e descobrimos que são processos simultâneos, porém relativos.

“Tem muita gente que ainda fala mal do meu cabelo“. Eduarda B.
É nítido que apesar de já estar se tornando popularizado, infelizmente há bastante resistência por parte de indivíduos providos de preconceito em relação a nova fase de resgate do natural, um movimento que a muito, tenta tornar o que parece “exótico“ em comum.” “Um dia minha superior veio até mim e disse : você tem que trazer seus cabelos presos porque parece bagunçado e não se adéqua ao nosso ambiente de trabalho. “Mas a mesma não fez restrições a minha colega de trabalho alegando que ela era diferente porque tinha o cabelo liso” Osiane V. Tal afirmação remoeu um sentimento de repúdio coletivo. Nos estava sendo trazida uma outra face da realidade. Inevitavelmente as mudanças comportamentais e visuais despertaram em outros desconfortos, assim como tudo que é novo e busca ganhar espaço, afirmação e exercer influência. Essa nova maneira de ser, descobrir-se e impor-se teve seus momentos de aflição e rejeição. Felizmente tais atitudes contrárias não causaram dano algum a suas autoestimas e segurança, apenas estimulo para serem quem realmente são. Em um dado momento do diálogo propôs-se um autoquestionamento onde elas formulariam uma mensagem na qual poderiam motivar ou instruir quem eram e quem hão de se tornar e ajudar outras mulheres que passam ou passaram por experiências similares, por conta da pressão da sociedade que lhes impõe um padrão de beleza restrito.

“Eu diria a mim mesma pra não ter medo das transformações. Que a vida pode ser muito melhor quando nos permitimos ousar e mudar.” Yevellem T.

O novo ser reflete sobre o passado e consegue detectar a fragilidade ou falta de segurança, mas lança uma perspectiva sobre o porvir estando totalmente aberto a futuras alterações profundas e particulares. Espero que você seja uma pessoa melhor e que continue não tendo medo. Arrasa garota”. Patrícia P. Ousar numa busca por autenticidade é uma experiência maravilhosa da qual não se tem arrependimento. É preciso coragem. Percebe-se que para essas garotas importar-se com o que a sociedade acha sobre seus cabelos é insignificante perto da alegria de serem donas de si mesmas. Os relatos de suas transformações expunha um processo de comunhão entre o interior e o estético. Algo muito pouco alcançado pelas gerações anteriores, o que faz dessas mulheres exemplos de  libertação e harmonia.
Assim como houve menosprezo por motivo de aparência também existiu quem as encorajassem, sendo pessoas íntimas ou personalidades da atualidade tão importantes pra composição e construção de suas identidades aparentes e particulares, imensuravelmente poderosas. Toda mulher, ao menos a maioria delas, apesar da vida corrida que é dividida entre: trabalho, estudo, família, filhos, amigos, marido e casa não deixam de cuidar de si e isso foi algo muito explicito no decorrer do recolhimento de informações por elas dadas, tão espontaneamente que nem se era percebido que os fazia. “Às meninas e mulheres que ainda não encontraram suas belezas, entendam que se trata de encontrar e não de aceitar. Independente das suas características físicas aquilo que você tem de diferente e que até não goste é ali que está sua beleza. Nos amar.” Oziane V. Trechos de uma musica apaixonante e num entanto desconhecida resume um pouco o que essas meninas tentaram repassar com suas vivências.


jogue tudo que tem pra jogar
Pela janela do seu quarto
Se desfaça das antigas cartas
E das caixas velhas
Esqueça o velho amor
solte seu cabelo
Pinte as unhas de vermelho
Se enfeite no espelho
Troque o tom do batom
Amanha é primavera
O inverno já passou
Saia e veja o jardim
Onde nunca pisou.”.
 (ANAVITÓRIA) 
                                                                                          


Um novo olhar a diversidade da beleza feminina muito entrelaçada ao modo de ser nos proporcionou a experiência de que não se trata apenas de cabelo e sim de empoderamento, segurança e satisfação pessoal. Nos identificamos e trocamos informações. Não se trata de sobrepor-se ao convencional de beleza, mas sim de trazer a tona a importância do que antes fora excluído e inferiorizado.  Em nenhum momento intimidaram-se mediante as câmeras, pois, são grandes de mais para isso. Grandes em caráter e motivação. Lindas, graciosas e autossuficientes. Repassaram-nos muito bem quais são seus objetivos e que legados pretendem deixar as futuras gerações e de certa forma nos mudaram em alguma coisa. Nos tornamos aquele dia um campo onde se lançariam as sementes, cujos frutos são conhecer, acreditar, defender e compartilhar.

AutoresLaliane Oliveira e Kézia Bacha  

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